Não é de hoje que podemos notar que nossa sociedade mudou, alguns comportamentos e pensamentos ainda continuam os mesmos de cinquenta anos atrás, mas outras formas de agir e refletir sobre nossos comportamentos mudaram sim. E quando o ser humano muda, a forma de escrever sobre nosso mundo, ou outros mundos, também muda.
O post de hoje vem contemplar as mudanças refletidas nos personagens de vilões e mocinhos da atualidade com a ajuda de Bernardo Stamato e seu livro genial A era do abismo. Se você ainda não conhece a obra de alta fantasia, eu preparei uma resenha e playlist lá no Instagram da Gambiarra (@gambiarraliteraria).
Livros como Trono de vidro, Crônicas de Gelo e Fogo e A era do abismo, juntamente com os esforços cinematográficos da Disney que contemplam heróis da Marvel e a família Skywalker de Star Wars, além de outros personagens como a Malévola, tem refletido sobre o papel do mocinho cem por cento bom e o vilão decadente. Esse tema está cada vez mais preenchendo as páginas de nossos livros. Tenho certeza de que você já leu, atualmente, um livro onde a heroína toma decisões ruins, faz sacrifícios sem pensar muito e ganha sua batalha com sangue nas mãos. Assim como, também já deve ter visto vilões com sentimentos e traumas, pessoas de verdade que perderam algo ou foram simplesmente rejeitados, o que não justifica seus atos, mas explica.
Para nos ajudar melhor, eu convidei o autor de A era do Abismo, Bernardo Stamato para um papinho bem legal sobre o tema. Vamos pensar sobre essas questões juntos?
GL - Você concorda que dentro do gênero literário fantástico, e scifi, houve uma mudança na perspectiva do bem e do mal, do herói ingênuo e do vilão sem remissão?
BS - Não sei se o gênero em si mudou, mas com certeza o gosto do leitor mudou. Antigamente, histórias de bem contra o mal eram mais populares em todos os gêneros. Hoje, percebo que as pessoas preferem histórias com conflitos, mas onde todos os envolvidos são pessoas com suas motivações, suas virtudes e seus vícios, e não só o "lado certo" e o "lado errado".
GL - No seu livro, vemos várias vezes seus personagens passarem por conflitos entre uma boa e uma má atitude, alguns deles até permeiam por uma decisão que não seria típica do mocinho de alta fantasia. Porque você decidiu colocar isso no livro?
BS - Porque acredito que os personagens são o elemento mais importante de qualquer história e eu quero personagens de carne e osso. A melhor maneira de demonstrar as nuances dos personagens é através de dilemas morais e discordâncias dentro do próprio elenco. Até que ponto devemos seguir as leis, por exemplo? Ou até que ponto devemos cumprir uma promessa, se ela foi uma imposição e não uma escolha? Ou até que ponto nosso livre-arbítrio influencia ou não outras pessoas e como? Essas e inúmeras outras questões tornam os personagens mais críveis e interessantes, mesmo numa história de espada e feitiçaria.
GL - A era do abismo tem como plano de fundo uma guerra entre a luz é o obscuro. Você, como autor, acha que seus personagens sabem dividir bem o que é o quê, ou, mais para frente, veremos que eles estão mais para cinza?
BS - Alguns personagens já estão no cinza, como por exemplo a Ravenlla, que prega a Liberdade a qualquer custo ao ponto de desprezar os valores dos amigos dela, como juramentos e até família. Ela é tão gentil e solicita, que a gente releva que talvez ela seja uma fanática. Será que ela não é uma fanática muito persuasiva? Se os outros derem ouvidos demais a ela, quais podem ser as consequências? Eu matei uma pessoa importante no final do livro e não foi por acaso, isso vai gerar consequências em todos os personagens, inclusive na doce Sacerdotisa da Liberdade.
GL - Para você, como autor, não só nas suas obras, mas de uma modo geral. Qual é a importância de um personagem e de uma história cheia de nuances? Você acredita que isso possa influenciar os jovens que estão crescendo com exemplos de atitudes e discursos tão extremistas?
BS - Eu sinto que me conecto mais com personagens e histórias com nuances. O Superman nunca esteve entre meus personagens favoritos porque as vezes é o único que pode salvar o lugar onde ele mesmo vive, não é óbvio que ele vai vencer no final?
Sobre exemplos de atitudes e discursos tão extremistas, esse tipo de postura tende a descartar as nuances, na verdade. Pessoas extremistas pregam que estão fazendo a coisa certa, que estão do lado do bem e que tudo que é contra elas é o mal, o que é uma arma de persuasão perigosa. Temos que lembrar que ninguém é 100% bom ou mau. Uma vez, ouvi uma frase mais ou menos assim: "eu confio mais em quem se diz mau do que bom, porque quem tem certeza que é bom não está vigiando os próprios atos, então pode estar sendo má sem nem perceber." Acredito que o mundo fica melhor quando temos certeza que ninguém é 100% bom ou mau, nem nós mesmos. Todos temos virtudes e vícios, o problema são as pessoas que vivem em função dos próprios vícios, como ganância, vaidade ou manipulação (e se dizer "salvador da pátria" inclui todos esses).
Agora é com vocês, o que acham desses novos tipos de caracterização dos vilões e mocinhos? Quem é seu vilão com questionamentos pessoais mais querido? E qual mocinho(a) rebelde que te representa?
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